Ainda que a língua seja portadora de alguma feitiçaria ou magia, e isso poderia ser a origem do conflito, é pela tônica do artifício, praticado pelo artífice, que a linguagem, vestindo-se de máscara (uma forma de afirmar, reforçando, a representação), revela-se como lugar de artimanha para o hábil manuseio das palavras, abrindo espaço para que todos os personagens, cada um a seu modo e em intensidades específicas, duvidem de sua natureza e questionem sua possibilidade.
A verve do mistério, encoberta pela máscara, naturalmente é inscrita no jogo duplo, esta dupla camada, linguagem e representação, retomada pelo viés da mágica e daquilo que mascara. O texto se materializa de forma sucinta e explora, ao máximo, o estado poético das palavras: abre grandes frestas por entre as cenas, ao escrever com os brancos e com aquilo que não se pode dizer, os silêncios, que se impõem para nós, leitores, como pontos ativos, espaços de reflexão, deixados para darmos continuidade, quando passamos a escrever, como nosso gesto de leitura, os inúmeros não-ditos das falas.
Assim, surge certa suspeita de que assinalado apenas no início, o título desafia a própria dramaturgia, já que a máscara, que faz parte do universo dramático, passa a se moldar ao rosto da linguagem, constituindo-se uma espécie de segunda pele circulando em torno dos conflitos da trama.
Érica Zíngano